Vida em Marte

 Em Caio

Os dedos buscam escrever.

O coração acordou mais manso e mesmo assim, triste.

O oráculo diário sussurra: devagar e doce.

Recordo sobressaltada que ontem foi quatro meses de sua partida. Meio sem querer, esbarro na música do Bowie que fala da vida cotidiana mas se chama Life on Mars. Descobri por acaso também.

E Bowie me lembra você. E me faz chorar toda vez. Parece que ele entende perfeitamente este momento doido que estou vivendo.

Lá fora, o mundo está de cabeça para baixo. Você não ia gostar de ver.

Eu nem sempre olho. Às vezes, é difícil demais. Mesmo para sua irmã otimista incurável.

Decido então olhar para dentro. E aqui dentro, com Bowie ao fundo, mora você, mora meu sonho de acordar o Voe, mora meu amor infinito pelo Léo e a Olívia. Mora minha vontade de reinventar a vida aproveitando que está tudo fora do lugar mesmo.

Devagar e doce, as lágrimas rolam uma a uma. Nunca me importei em chorar. Que bom, porque este é um ano de muitas lágrimas.

Lá de longe, o cérebro me avisa que há trabalho por fazer. Devagar e doce. Devagar e cedo. Devagar, cedo.

Havia outros planos, mas talvez seja melhor não seguir os planos. Devagar e doce.

Decido tocar na ferida e ouvir a outra do Bowie que me lembra você. O fundo musical intergalático é uma homenagem aos astronautas que voaram para fora da Terra esta semana.  Talvez você esteja melhor aí no outerspace mesmo.

Mas não me queixo. Aqui há muita coisa boa para agradecer, a vida é tão de verdade do meu escritório nos fundos da casa.

Eu não preciso mais seguir as regras de sempre. Você sabe bem como eu gosto de inventar as minhas próprias regras. Então fico aqui, sem compromissos demais. Devagar e doce.

Tiro fotos de mim mesma, brincando de artista. O olho com fundo laranja mistura Marte, esperança, tristeza e a importância de estar desperta.
Porque tudo está em movimento e o coração, às vezes, pesa. Mas não se despedaça.

Quem diria que você partir iria fortalecer meu coração ainda mais?

Meu amor por quem está aqui e a saudade-cicatriz do amor por quem já foi  são os únicos exercícios que tenho disciplina para encarar.

Suspiro fundo, o Bowie é bom mesmo.  Não é desespero, não é ansiedade. Não sei nem se é tristeza.

É mais uma suave melancolia, uma nostalgia do que está fora do alcance, uma curiosidade mansa sobre o que virá.

Esta semana foi de revoluções aqui dentro e lá fora.  Incêndios, revolta, mesas viradas sob o olhar implacável de Marte.

Marte, de novo, desta vez no viés da astrologia.

Subitamente, tudo se costura num fio de sentido: Bowie, Marte, você, meu pirata espacial Dr. Tranquilo, as lutas lá fora, as lutas aqui dentro. Devagar e doce.

“Ground Control”, o Bowie chama. “Can you hear me?”. Você pode me ouvir daí?

Diz que vai ficar tudo bem, tá?

“Cause there is nothing I can do”.

Por enquanto.

Devagar e doce, confio. Há de melhorar.

 

 

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