Cada um no seu ritmo

 Em autoconhecimento

Uma nova semana em quarentena. Uma de muitas que virão, aparentemente.

O coração está pesado com as notícias e desgovernos. Com a impotência de ver pobres e idosos e profissionais da saúde na linha de frente desta guerra. Triste de ver o desconsolo no olhar dos filhos. E do marido.

O preço são noites insones e muita dor de cabeça.

Mas foi bom reencontrar o meu ritmo.

A pandemia foi o tapa na cara. Na minha cara.

Labuta demais. Gastos demais. Automático demais.

Foi um freio de arrumação. Daqueles que chacoalha a coluna vertebral que chega a doer.

A dor de perder meu irmão era atropelada pelo trabalho sem fim, viagens sem fim, tarefas sem fim.

Eu não prestava atenção em relações importantes. E desperdiçava tempo em relações estéreis.

Eu estendia meu braço para o lado errado.

Os dias passavam e eu não estava atenta o suficiente aos meus filhos. E eles, não estavam passando tempo suficiente comigo.

Quando algo apertava com o marido, uma viagem conveniente dava um reset e as diferenças iam para baixo do tapete.

Agora, o tempo é outro.

Mais lento: dois meses e eu vivi intensamente cada dia. Conversas significativas, estudo, autoconhecimento, muito amor.

Mais rápido: as horas escoam entre estudo, trabalho, cozinha, insônia.

Não dou conta de tudo: há algumas amizades precisando de rega. O corpo implora por alguma atividade, mas a preguiça ainda impera.  Há planos ainda na prateleira.

Há ainda planos na prateleira: no (des)conforto da gosma de meu casulo, vejo as asas se formando. Novos sonhos, de melhor tamanho.

E sei que para muitos a situação é outra. Mas estou aprendendo a não pedir desculpas por ser eu mesma. Este texto não é uma contação de vantagens. É um registro.

Para eu não esquecer.

Não esquecer de que a vida segue lá fora, injusta e bela. Quase nada posso fazer sobre quase tudo.

Mas o pouco que posso, faz muito sentido. E este sentido é o farol da minha travessia.

Sinto muito pelas vidas ceifadas. Pelos trabalhos perdidos. Pelas pedras pontudas enfrentadas por quem não tem meus privilégios.

Contudo, agradeço por ter redescoberto meu próprio ritmo. Da solidão do meu escritório improvisado, me dou colo e me dou asas.

E tudo há de passar, mais uma vez.

E quando passar, voaremos.

 

Imagem: verbete do livro Desdicionário do projeto homônimo de Daniela Belmiro.

 

 

 

 

 

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