A irmã suficientemente boa

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30-01-2021

Oi, irmão,

Hoje faz um ano. Ainda estou tentando assimilar.

O mais difícil de tudo é lidar com minha culpa.  Agora que o filme da sua doença acabou, vem a tentação de exercitar roteiros diferentes, cenários diferentes. Repisar o que poderia ser diferente. Arrepender-me do que eu falei e o que eu não falei.

Durante o último ano, eu passei por muitas fases.  Primeiro, o frenesi de avançar com as providências, organizar sua despedida, tocar o seu inventário. Mediar conversas, participar de cada etapa difícil. Agora, esta sensação de que mesmo tendo posto tantos pontos finais em tantas coisas, não preenchi o vazio.

Volto para a culpa. E percebo que uma cura possível é compreender que eu fiz o melhor possível, com o conhecimento que eu tinha e com a dor de ver meu irmão caçula avançar rumo á morte diante da minha impotência.

E hoje, um cachoeira de lágrimas guardadas, agravadas pela solidão. Porque um ano se passou, mas a saudade não diminui. A dor não passou.

3-8-2022

Hoje não é data específica, mas decidi tirar o pó do blog e encontrei este rascunho aqui.

Deu vontade de terminar o texto, atualizando com meu sentimento de agora: dois anos e meio depois, não é mais culpa que sinto.

Sim, errei muito tentando acertar. E alguns erros roubaram um pouco de nosso tempo, é verdade.

Ao mesmo tempo, aquela dor excruciante deu lugar a um outro jeito de caminhar com você.

Aqui dentro, nosso diálogo é infinito.

Terminei seu inventário e deu tudo certo. Tudo justo, como você gostaria.

Passei a gostar mais de bichos, uma coisa muito sua, né? Só que sou gateira, você foi do hamster, do peixe e finalmente doguinhas.

Nunca encontrei um designer como você. Então decidi aprender a mexer no Canva e agora faço as artes da minha nova página no Instagram.

Aliás, página que é sobre luto, assunto por que me interessei para dar conta do que acontecia na minha vida sem você.

Estudei, pratiquei e hoje ajudo pessoas a cuidar do seu próprio luto. Falo sobre a morte, a doença e a vida. E assim, vão também se curando as feridas mais difíceis da saudade.

Porque é tanta, a saudade de você. Ao mesmo tempo reencontrei nossos irmãos e juntos estamos inventando uma paz que era um valor tão seu.

Estou muito próxima de sua mãe. Ás vezes, ficamos tristes juntas. Mas muitas, muitas vezes, ficamos tranquilas, damos risadas e contemplamos o futuro que brota nos teus cinco sobrinhos.

Perdi outras pessoas e também dois gatos.  Ter perdido você me ajuda demais a levar com mais leveza e menos culpa estes novos golpes.

Estou aprendendo a cantar.” Inclusive “Sweet Child of Mine”. E aí, brother, tenho que dizer que eu te supero… Hahahaha.

A gente segue em frente, né? E a saudade se aquieta no peito na maioria dos dias. Aí vem uma lembrança misturada com lágrima.  Tudo bem. Também é forma de te amar.

É isso. Se eu pudesse, te falaria “ao vivo” tudo isso. Não dá, esta é a pior parte.  A melhor parte é poder ir no casamento do Tales, é poder escutar Foo Fighters ou Offspring, é ser um pouco mais sábia e gente boa a cada dia. E assim, é como se você estivesse me dizendo: “Tranquilo, Lé. Tá tudo bem”.

Por que está. Mesmo nos dias em que bate aquela vontade de dar risada junto e você está aí, distraído com as estrelas.

 

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